[Histórias] Vanessa Picoli

Começo me apresentando como Vanessa Imamura Picoli, tenho 32 anos, sou médica anestesista nascida em Maringá, mas moro em São Paulo há 2 anos. Provavelmente você não me conhece e nem eu mesma me reconheceria se antes eu não tivesse sido a TCHAK, como fiquei conhecida no softbol. Sim, vem do Chuck, do filme boneco assassino e  acredito que essa semelhança seja pela minha falta de altura e pelas minhas sardinhas.

Não vou lembrar de muitos detalhes e nem vou citar muitos nomes pois conheci muita gente e todos foram importantes na minha vida, por isso eu só tenho a agradecer por tudo o que eu vivi e por todos os que passaram por mim e ajudaram a construir o que eu sou hoje. Afinal, foram 13 anos de softbol! Então vamos lá!

Tudo começou em 1994, quando o meu tio Dinho levou eu, com 7 anos, e minha irmã Walquíria, com 12, para acompanhar um treino de softbol. Eu, óbvio, não entedia nada o porquê daquelas meninas ficarem correndo e pulando de uma almofadinha a outra, gritando para lá e para cá sem parar. A minha falta de atenção e entendimento tinha um motivo, meus sentidos estavam única e exclusivamente focados no café da tarde!

Chegamos exatamente na hora do café: estava lindo, cheiroso, preparado com todo carinho pelas mães. Amor à primeira vista! Quando me contaram que tinha café em todos os treinos eu aceitei na hora. Lógico que ia treinar. Fui pega pelo estômago.

O que falar de tamanha dedicação e cuidado que nossas mamães tinham com tudo?

Maio é o mês das mães e eu só tenho a agradecer a minha e a todas as mães por todo o esforço para fazer as coisas darem certo, fazer esse esporte dar certo. Era ela que costurava minhas roupas de treino, minhas roupas de jogo; esfregava meus pés marrons cheios de terra naqueles dias que eu voltava morta do treino e não tinha força nem para tomar banho; esfregava minhas roupas encardidas daquela terra vermelha de Maringá.

Ela trabalhava o dia inteiro e ainda tinha que me levar direto para o treino e ficar lá me esperando até tarde da noite; passava o fim de semana inteiro no refeitório cozinhando: eram lanches, almoços, jantas e mais lanches. Fazia bazar, rifa, pizza, evento, fazia o que era possível para conseguir arrecadar dinheiro para podermos viajar e participar dos campeonatos que eram a maioria em São Paulo. Quanto sufoco, quanta tensão, quantas alegrias ela passou nas arquibancadas.

MÃE, obrigada por ser meu exemplo, por me incentivar, por acreditar em mim. Sem seu apoio, sem a sua dedicação, eu não estaria aqui hoje escrevendo esse texto sobre o quão importante foi o softbol para mim, eu teria desistido no meio do caminho.

Mas, voltemos ao soft. O Tio João e meu tio Dinho foram os responsáveis por me iniciaram no soft. Depois de eu muito brincar de casinha e terrinha com as meninas, um dia eles repararam que eu era rapidinha e começaram a me treinar com as mais velhas. O objetivo era me colocar de segundo bata para fazer bunt, o famoso toque, e empurrar a corredora da primeira base. Missão dada é missão cumprida. Comecei a me destacar e com isso os treinos começaram a ficar mais puxados.

Bye bye brincadeira de casinha. Eu era da categoria mirim e cheguei a treinar e jogar com as meninas do júnior, na época eram seres 3x a minha altura e, tecnicamente, anos-luz na minha frente. Eu era tipo um chaveirinho do time, a “café-com-leite”, sabe? Mas foi dessa convivência que fui aprendendo a malícia do jogo, a união, a garra, a determinação, que só fizeram sentido para mim mais para frente.

Mas, meus dias de “café-com-leite” estavam contados. Logo assume, como técnico da categoria mirim e infantil, o temível Goro Ogata. “Aquele que fazia os meninos correrem com um pneu amarrado na barriga?” Sim, ele mesmo. E foi o que ele fez, botou a meninada para correr. Treinos terças, quartas, quintas, sábados, domingos e feriados. O começo da era Goro Sam.

De brinde veio a filha dele, a Nena! Se o Goro Sam era temível, a Nena era a versão renovada, melhorada, multiplicada dele. Ô trem bravo da peste. Pense como eu sofri na mão dessa bicha! Sofri, mas brilhei! Eles, junto com tio Jorge Tanaka, tio Álvaro (saudades), tio Sergio, que acreditaram e investiram em mim e me fizeram crescer como atleta e como pessoa no softbol. Da categoria mirim ao júnior, eles fizeram a Tchak que todos conheciam.

Já no primeiro ano que o Goro Sam entrou, conquistamos nosso “primeiro título” e eu meu primeiro troféu, aliás, troféus. Foram três de uma vez só. Por incrível que pareça, eu com quase 1 metro de altura, consegui ser rainha do quadrangular.

O que eu havia vivenciado como chaveirinho começou a fazer sentido. Nosso time tinha muita união, conhecíamos o potencial, as fraquezas e o limite de cada uma; até onde podíamos cobrar uma da outra. Mas o que mais chamava atenção no nosso time era a nossa alegria. Para tudo nós tínhamos uma piada ou tudo virava uma piada. Era peido que virava música, arroto que virava ópera (éramos um tanto porquinhas e não tínhamos vergonha).

Um jogo de softbol gera muita tensão, muita cobrança, exige muita concentração e desempenho, e as nossas brincadeiras deixavam o ambiente mais leve, mais tranquilo, mais empolgante, além de unir ainda mais as atletas. E assim é a vida até hoje. Anestesia é como um jogo de softbol, tem muita cobrança e muita responsabilidade e eu continuo sorrindo e brincando com todos a minha volta, descontraindo e deixando o ambiente mais leve, porque de pesada já basta a doença que o paciente carrega.

Foram muitos anos batalhando até que, em 2001, fui chamada para a minha primeira seleção brasileira. “E agora, será que eu vou saber jogar sem ser no meu time?”. Era o que eu me perguntava, pois estaria jogando no mesmo que time que as minhas adversárias, mas que ali seriam minhas parceiras. E essa primeira experiência foi sensacional, pois éramos quase todas “novatas” de seleção, então aprendemos todas juntas. Minha primeira seleção e nem viajei, pois o Campeonato Sul-Americano foi no Brasil mesmo. Fomos campeãs jogando em casa.

Em 2002, fomos para o Campeonato Sul-Americano em Guayaquil, Equador. Brasil campeão e modéstia à parte, nosso time foi um sucesso. Cada jogo era um show de softbol! Luz, câmera, ação! Foram muitas entrevistas, fomos muito paparicadas. Nesse mesmo ano teve os jogos ODESUR, quando o softbol começou a ganhar maior visibilidade na mídia. Lembro que haviam repassado para nós o uniforme das atletas da seleção de vôlei. Um desastre (só para imaginar, nossas coxas eram o triplo das jogadoras de vôlei)! Tivemos que pedir outro uniforme meio que de última hora, uma confusão, mas que deu certo. Na verdade deu “meio-certo”, porque perdemos os jogos.

Fui convocada para mais algumas seleções, mas já estava em época de me preparar para o vestibular e eu queria medicina. Não dava mais para me dedicar ao softbol, pois não via um futuro no esporte, não via uma carreira e nem tinha incentivo. A partir dessa minha decisão, afastei-me um pouco dos campos para me dedicar aos estudos.

Fui convocada para a seleção do PAN do Rio, em 2007, até pensei em voltar a me dedicar ao esporte, mas estava com a bola no gol para entrar na faculdade e assim foi. Em 2008 comecei a faculdade de medicina e resolvi de vez aposentar do softbol. Doei alguns materiais para as pequenas de Maringá que estavam começando e segui minha carreira.

É isso. Fui bem breve, bem resumida até porque nem cabe tanta informação nessa minha “cabeça de vento” (by Goro Sam). Sara, Dani Kato, tio Álvaro, meu pai, e tantos outros que passaram por mim e deixaram muitas saudades. Acredito que o esporte que quero colocar a minha filha – que um dia eu hei de ter – é o soft, para ela crescer com habilidades e valores.

Obrigada.